Maradona, um <i>D10S</i> no meio dos mortais: «Tinha colegas que fingiam dores de barriga quando ele não jogava»

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01-10-2025 10:25

Em Nápoles, cidade onde o futebol é religião e {PLAYER_LINK|5297|Maradona} é eterno, as memórias dos anos dourados permanecem vivas através de quem partilhou o relvado com D10S. Careca e Alemão, dois brasileiros que foram dos mais importantes companheiros da gloriosa carreira de El Pibe, abriram o coração, em exclusivo, ao zerozero, para recordar a amizade, a magia e a devoção de um povo a um «simples homem». {EPOCA|ESQ|JOG|5744|0|999999|0|0|1} {EPOCA|DIR|JOG|49532|0|999999|0|0|1} «Jogar com Maradona era entrar com mais um em campo» Careca sorri ao recordar: «Jogar ao lado do maior de todos foi especial.» Para o avançado brasileiro, a cumplicidade com Diego nunca se mediu em meras estatísticas, apesar de estas serem impressionantes. «Nós entrávamos em campo para nos divertir. O futebol para nós era uma diversão, íamos para o campo para ser felizes.» Ao lado de El Pibe, Careca conquistou a Taça UEFA de 1988/89 e escreveu páginas que continuam a ecoar no, agora, Stadio Diego Armando Maradona. «Para mim e para muitos, fomos uma das melhores duplas que a Europa já teve.» {IMGHALF|DIR|1349245|Careca e Maradona numa sessão de fotos do Napoli} Uma parceria feita de talento, mas sobretudo de alegria. Afinal, os momentos pré-jogo eram feitos disso mesmo: «O Diego gostava de dançar, de cantar. Tínhamos samba, lambada, os tangos que ele adorava ouvir. Era essa alegria que nos guiava dentro e fora de campo». Alemão, mais reservado fora dos relvados, confessa o próprio, reforça a dimensão única do 10 argentino. «Jogar ao lado do Maradona foi algo muito especial, ele era um génio». «Ele comandava a equipa, dava uma energia que eu nunca vi em nenhum outro jogador. Mesmo em situações extremamente difíceis, arrancava de todos nós uma garra a mais. Era o nosso líder», atirou sem hesitação. Essa influência fazia a diferença em todos os detalhes. «Às vezes estava com o joelho inchado, mas tomava umas infiltrações, entrava em campo e mudava tudo.» Para o internacional brasileiro não há comparação possível: «Jogar com o Maradona era quase como entrar em campo com mais um jogador.» 'Este é o meu Povo' O papel de Maradona era tão grande na equipa que, confessa, ter chegado «a ver jogadores terem dor de barriga quando ele não podia jogar». Para Alemão, só Pelé pode ser colocado no mesmo patamar: «Não se conhece outro igual a ele sem ser o Pelé. Depois do Maradona vieram grandes jogadores, mas não génios como ele.» Un momento para la eternidad y la entrada en calor más épica de la historia del fútbol ???????????? Diego Maradona al ritmo de “Live is Life”, un día como hoy pero hace 33 años jugando por el @sscnapoliES ?????#DiegoEterno ????? pic.twitter.com/NTUxcgDDr6 — CONMEBOL.com (@CONMEBOL) April 19, 2022 As memórias multiplicam-se, mas há uma que permanece vívida na memória do médio. «Contra o Bologna, em 1989 [triunfo por 2-4, golos de Careca, Alemão, Maradona e Giovanni Francini], o meu golo nasce de um lance genial dele.» «Eu fiz um movimento sem ele sequer olhar para mim. Ele não me viu, mas de alguma forma soube onde eu estava e deixou-me isolado. Foi genial. Esse lance mostra o que ele era: antecipava tudo.» Mas se dentro de campo a magia era inigualável, fora dele a ligação à cidade era igualmente ímpar. Careca sublinha: «Maradona identificava-se muito com o povo napolitano. Ele dizia: ‘Este é o meu povo’». Vindos de realidades difíceis, argentinos e brasileiros partilhavam as mesmas lutas de sobrevivência. Diego reconhecia-se nesse espírito de resistência. Não por acaso, abria as portas de casa para receber sul-americanos de clubes rivais - uruguaios e argentinos, principalmente - e tratava-os como família.» O bom filho a casa torna Alemão recorda o regresso do astro em 2005, no jogo de despedida de Ciro Ferrara. O adversário era a Juventus de Zidane e Del Piero, mas até às 22 horas da véspera apenas cinco mil bilhetes tinham sido vendidos. Tudo mudou num instante. Quando, já nessa noite, se confirmou a presença de Diego, a cidade entrou em ebulição. Em poucas horas, mais de 75 mil ingressos voaram e o estádio encheu até ao último lugar. Na manhã seguinte, o hotel onde o craque ficou hospedado foi tomado por milhares de adeptos. {IMGHALF|DIR|1350956|Alemão é o primeiro a contar da esquerda na fila de cima. Careca e Maradona são segundo e terceiro na fila do meio.} A multidão subia para cima dos carros estacionados à porta, amassava os capôs enquanto cantava e gritava pelo nome do ídolo, conta-nos Alemão. «Era como se toda a cidade tivesse parado para lhe prestar homenagem.» E depois veio o momento maior: a entrada em campo. «Quando ele entrou em campo, ninguém conseguiu conter as lágrimas. Foi arrepiante, nunca tinha visto nada igual», descreve. O argentino deu uma volta olímpica e, nas bancadas, «não havia um único rosto sem lágrimas». «Era a casa dele, era o povo dele, e parecia que todo o estádio chorava ao mesmo tempo. Até os jogadores choraram.» 'D10S', por um motivo O peso simbólico ia além do relvado. «Em Nápoles ele é tratado como um Deus. Para eles, ele representa uma vingança contra o Norte, contra quem sempre os desprezou», explica o antigo internacional brasileiro. Cada vitória de Maradona contra Juventus, Milan ou Inter era sentida como uma conquista social. Careca confirma: mais do que títulos, o argentino devolveu dignidade a uma cidade que há muito se sentia injustiçada. «Ele representou Nápoles contra o norte racista e isso nunca será esquecido.» Hoje, para compreender o fenómeno, não basta ler ou ouvir: é preciso ir e sentir. «É como se ele ainda fosse vivo», garante Alemão. E quem visita Nápoles percebe rapidamente que, nas ruas onde os murais de Diego continuam a vigiar a cidade, o 10 nunca partiu de verdade. {IMGFULL|DIR|674994|Diego Armando Maradona festeja a conquista da Taça UEFA de 1988/89}